Comentário a Jurisprudência sobre sites de anúncio.

Comentário a Jurisprudência sobre sites de anúncio.

A nossa Sócia-Fundadora Dra. Marina Watanabe, redigiu um comentário rebatendo a atual jurisprudência do STJ, se posicionando face a falta de responsabilidade dos sites de anúncio como Mercado Livre e OLX.

1. Ementa do Julgado

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE QUANTIA PAGA C.C. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO NA PLATAFORMA "OLX". FRAUDE COMETIDA PELO SUPOSTO FORNECEDOR. SOCIEDADE EMPRESARIAL QUE ATUOU COMO MERO SITE DE CLASSIFICADOS, DISPONIBILIZANDO A BUSCA DE MERCADORIAS E SERVIÇOS NA INTERNET, SEM QUALQUER INTERMEDIAÇÃO NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS CELEBRADOS. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA E DE TERCEIROS CARACTERIZADA. ACÓRDÃO RECORRIDO MANTIDO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. A controvérsia posta nos autos cinge-se em saber se a sociedade empresarial que disponibiliza espaço para anúncios virtuais de mercadorias e serviços (no caso, a plataforma "OLX") faz parte da cadeia de consumo e, portanto, deverá ser responsabilizada por eventuais fraudes cometidas pelos usuários. 2. A relação da pessoa com o provedor de busca de mercadorias à venda na internet sujeita-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, ainda que o serviço prestado seja gratuito, por se tratar de nítida relação de consumo, com lucro, direto ou indireto, do fornecedor. 3. Não obstante a evidente relação de consumo existente, a sociedade recorrida responsável pela plataforma de anúncios "OLX", no presente caso, atuou como mera página eletrônica de "classificados", não podendo, portanto, ser responsabilizada pelo descumprimento do contrato eletrônico firmado entre seus usuários ou por eventual fraude cometida, pois não realizou qualquer intermediação dos negócios jurídicos celebrados na respectiva plataforma, visto que as contratações de produtos ou serviços foram realizadas diretamente entre o fornecedor e o consumidor. 4. Ademais, na hipótese, os autores, a pretexto de adquirirem um veículo "0 km", por meio da plataforma online "OLX", efetuaram o depósito de parte do valor na conta de pessoa física desconhecida, sem diligenciar junto à respectiva concessionária acerca da veracidade da transação, circunstância que caracteriza nítida culpa exclusiva da vítima e de terceiros, apta a afastar eventual responsabilidade do fornecedor. 5. Recurso especial desprovido.

 

2. A questão

No dia 21 de junho de 2022, no julgamento do Recurso Especial nº 1.836.349 – SP (2019/0134622-6), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade (os Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva) negaram provimento a pretensão recursal que insurgiu contra o seguinte acórdão do TJSP:

 

Apelação. Ação de restituição de quantias com pedido de indenização por morais. Compra e venda de veículo - Utilização do site OLX pelos autores e pagamento diretamente aos vendedores - Fraude - Sentença de parcial procedência, condenando os réus solidariamente à restituição do pagamento - Apelo dos autores e da empresa ré - Trânsito em julgado em relação ao reconhecimento da ilegitimidade passiva do réu Vinicius e condenação do réu Lucembergue - Afastada a responsabilidade do site - Culpa exclusiva das vítimas - Inteligência do artigo 14, II, CDC - Ausência de cautela por parte dos autores, ao depositarem quantias em conta de pessoa física - Inexistência de pesquisas sobre os vendedores e sobre o veículo - Atuação da ré como mero site de buscas, sem qualquer participação nas tratativas - Danos morais não configurados - Precedentes jurisprudenciais - Condenação exclusiva dos autores ao pagamento de honorários sucumbenciais em favor da empresa ré - Sentença parcialmente reformada. Recurso da ré provido e recurso dos autores desprovido.

 

Os recorrentes sustentavam que o referido acórdão violou os arts. 4º, I e III, 6º, I, III, IV e VI e 14, todos do Código de Defesa do Consumidor, além de apresentar divergência de orientação de outros Tribunais. Argumentou, ainda, que a recorrida – OLX – está inserida na cadeia de consumo tendo em vista a remuneração percebida pela publicidade exposta em seu sítio. Alegou, ainda, a existência do risco inerente a atividade e que sua ação de marketing permite o aumento da vulnerabilidade do consumidor, e a falta de segurança e de informação.

Em seu voto, o relator afirma que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que relações de pessoas que utilizam sites de busca de mercadoria se sujeitam ao Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a relação de consumo, sendo o lucro de maneira direta ou indireta por parte do fornecedor.

O STJ decidiu, por fim, pela manutenção do acórdão do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido de que a plataforma OLX não é responsável pela fraude ocorrida contra os autores, tendo em vista que as negociações ocorreram fora do site da ré.

 

3. Comentário

A responsabilidade por parte do fornecedor é considerada como objetiva pelo Código de Defesa do Consumidor, tendo respaldo em seus arts. 12 e 14. E quando se fala em comércio eletrônico, é necessário ressaltar que a vulnerabilidade do consumidor é consideravelmente exacerbada, tendo em vista a possibilidade de que este incorra em erro. Referida responsabilidade deve ser levada em conta, mesmo em casos em que existam apenas relações que são supostamente de classificados, não existindo a intermediação de negócios utilizando a plataforma.

Ocorre que, por mais que a plataforma tenha atuado como página de classificados, lucrou, indiretamente, com os anúncios presentes nesta, independentemente do recebimento de comissão ou porcentagem a cada negócio fechado.

Além disso, se faz necessário ressaltar que o consumidor naturalmente já é vulnerável nas relações de consumo, e isso só se torna mais evidente com o advento dos mercados online. Ou seja, a mesma facilidade que se tem nos sites de compras, aumenta, por si só, a vulnerabilidade consumerista.

Diferente de uma compra presencial, nas compras por meios virtuais o consumidor confia que a plataforma que intermedia o negócio jurídico tomou as devidas providências de ao menos checar se a pessoa criadora do perfil existe e que seus dados são completamente verídicos.

De fato, o consumidor pode e deve tomar medidas que evitem, ou pelo menos diminuam, a possibilidade de ser alvo de golpes ou fraudes. Ocorre que atribuir sempre ao consumidor culpa, é dizer que, com toda a sua vulnerabilidade, é detentor de toda a capacidade que um fornecedor de serviços e produtos tem para analisar se o negócio a que está se submetendo não se trata de uma fraude.

Importante ressaltar que o fornecedor detém poderio muito superior ao do consumidor, e que é parte deste ter mecanismos para o fornecimento de um serviço ou produto seguro nas relações de consumo.

Além disso, a plataforma pode não ter participado ativamente até a conclusão do negócio, porém se torna responsável pela aproximação das partes e, portanto, tem o seu peso de responsabilidade para que o negócio ocorra.

É importante notar que essa rede de consumo – plataforma, usuário que vende o produto e consumidor – é o que faz com que a prestação de serviços se concretize. Desta feita, não há que se falar em ausência de responsabilidade por parte da plataforma, tendo em vista que sem a participação desta a relação de consumo seria inexistente.

A relação fornecedor-consumidor é baseada na confiança e, principalmente, pela segurança que o prestador de serviços fornece a parte mais frágil da relação. As plataformas têm a necessidade de manter esse relacionamento como confiável, tendo em vista que quando se esgota, o consumidor não mais voltará a utilizá-la para satisfação de seus desejos e necessidades.

Além disso, a atuação da plataforma OLX não é de classificados, tendo em vista que se encaixa como intermediário na relação de fornecimento de produtos ou serviços, isso porque a atuação destes pode ser parcial ou total e, portanto, respondem objetivamente pelos danos causados ao consumidor, conforme já foi alvo de entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

 

DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA ELETRÔNICO DEMEDIAÇÃO DE NEGÓCIOS. MERCADO LIVRE. OMISSÃO INEXISTENTE. FRAUDE. FALHA DO SERVIÇO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO PRESTADOR DO SERVIÇO. 1. Tendo o acórdão recorrido analisado todas as questões necessárias ao deslinde da controvérsia não se configura violação ao art. 535, II do CPC. 2. O prestador de serviços responde objetivamente pela falha de segurança do serviço de intermediação de negócios e pagamentos oferecido ao consumidor. 3. O descumprimento, pelo consumidor (pessoa física vendedora do produto), de providência não constante do contrato de adesão, mas mencionada no site, no sentido de conferir a autenticidade de mensagem supostamente gerada pelo sistema eletrônico antes do envio do produto ao comprador, não é suficiente para eximir o prestador do serviço de intermediação da responsabilidade pela segurança do serviço por ele implementado, sob pena de transferência ilegal de um ônus próprio da atividade empresarial explorada. 4. A estipulação pelo fornecedor de cláusula exoneratória ou atenuante de sua responsabilidade é vedada pelo art. 25 do Código de Defesa do Consumidor. 5. Recurso provido. (STJ - REsp: 1107024 DF 2008/0264348-2, Quarta Turma, Relator: Ministra Maria Isabel Gallotti, Data de Julgamento: 01/12/2011, DJe 14/12/2011)

 

Além disso, é liberalidade do consumidor decidir se prosseguirá com o negócio dentro da plataforma de intermediação ou não, e se a plataforma assim o possibilita não pode impor ao consumidor que siga escolhendo somente concluir a compra e venda de produtos ou serviços em seu site.

E mesmo que se diga que o site não obteve qualquer lucro, o mesmo Tribunal Superior já decidiu que o caráter lucrativo da relação de consumo deverá ser interpretado de forma a incluir a remuneração de modo indireto, conforme o julgado a seguir:

 

CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA. 1. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/90. 2. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo mediante remuneração, contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpretado de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor.  3. A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos. 4. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02. 5. Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada. 6. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo. 7. A iniciativa do provedor de conteúdo de manter em site que hospeda rede social virtual um canal para denúncias é louvável e condiz com a postura esperada na prestação desse tipo de serviço - de manter meios que possibilitem a identificação de cada usuário (e de eventuais abusos por ele praticado) - mas a mera disponibilização da ferramenta não é suficiente. É crucial que haja a efetiva adoção de providências tendentes a apurar e resolver as reclamações formuladas, mantendo o denunciante informado das medidas tomadas, sob pena de se criar apenas uma falsa sensação de segurança e controle. 8. Recurso especial não provido. (REsp 1308830/RS 2011/0257434-5. Terceira Turma, Relator Ministra Nancy Andrighi. Data de Julgamento: 08 de maio de 2012. DJe 19/06/2012)

 

Desta feita, fica evidente que as plataformas de intermediação devem ser responsabilizadas, tendo em vista que fornecem ao consumidor um serviço e que este deve ser de forma segura, de modo que a parte mais vulnerável mantenha sua confiança e continue usufruindo de seus serviços.

A principal dificuldade está em definir quem é o fornecedor da relação, tendo em vista que muitas pessoas que fornecem produtos ou serviços nestas plataformas digitais não tem um dos principais requisitos para a configuração de fornecedor, ou seja, são eivados de habitualidade, porque não exercem esta atividade diariamente e tão pouco auferem lucro através destas vendas.

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